quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Um pioneiro misterioso como sua partícula

Denis Balibouse/Reuters /

No dia 8 de outubro do ano passado, quando seria anunciado o prêmio Nobel de Física, Peter Higgs decidiu que era um bom momento para sair da cidade.

Infelizmente, seu carro não estava funcionando. Lá pela hora do almoço, um vizinho veio lhe dizer que ele havia ganhado o prêmio.

“Que prêmio?” ele brincou.

Em 1964, Higgs tinha 35 anos e era professor assistente na Universidade de Edimburgo, e previu a existência de uma nova partícula – que viria a ser conhecida como o bóson de Higgs, ou a “partícula de Deus” – para explicar como as outras partículas possuem massa. Quase meio século mais tarde, no dia 4 de julho de 2012, ele enxugou uma lágrima com um lenço em uma sala de aulas no CERN, a Organização Europeia de Pesquisa Nuclear, em Genebra, quando ouviu que sua partícula havia sido finalmente encontrada.

Higgs, agora com 85 anos, não tem televisão, nem usa e-mail ou telefone celular, e suas aparições públicas são raras. Depois de uma década escrevendo sobre o bóson de Higgs, eu nunca havia conversado com seu criador.

Finalmente encontrei-o, examinando relaxadamente o cardápio em um bistrô.

Higgs disse que já havia — mais ou menos — se acostumado à celebridade do Nobel. “Aprendi a dizer não”, afirmou a respeito das pessoas que o param no meio da rua e pedem para tirar uma fotografia.

Higgs nasceu em Newcastle-upon-Tyne, na Inglaterra, em 1929, filho de um engenheiro da BBC e de uma escocesa. Seu interesse pela física começou na escola em Bristol, quando descobriu que estudava na mesma escola que o teórico britânico Paul Dirac frequentara. Dirac era o pai da teoria quântica de campos, que descreve as forças da natureza como uma brincadeira de pega-pega entre partículas carregadas de energia chamadas bósons, a mesma área na qual Higgs faria fama.

Aposentado da Universidade de Edimburgo, ele vive em seu apartamento no quinto andar de um prédio na esquina onde nasceu James Clerk Maxwell, grande teórico escocês do século XIX.

Foi Maxwell que mostrou que a eletricidade e o magnetismo eram diferentes manifestações da mesma força, o eletromagnetismo, que constitui a luz. Higgs ajudou a física a dar o próximo passo em direção a uma teoria capaz de ser resumida de forma simples: mostrar que o eletromagnetismo de Maxwell e que a força fraca que rege a radioatividade são faces diferentes da mesma coisa.

Mas não era isso que Higgs acreditava estar fazendo. Quando inventou o bóson em 1964, ele disse: “Não tinha certeza se ele seria importante”.

Descobriu-se que François Englert e Robert Brout da Universidade Livre de Bruxelas já haviam publicado um estudo com a mesma ideia. Três outros físicos escreveram sobre o assunto. Englert compartilhou o Nobel com Higgs; Brout já faleceu.

“Durante um tempo, chamei-o de mecanismo ‘A.B.E.G.H.H.K.H’, usando as iniciais de todos os que contribuíram para a teoria”, disse Higgs, rindo.

No ano 2000, Higgs havia deixado de fazer pesquisa, concluindo que a física de partículas de grande energia já havia superado suas capacidades. “Eu cometia muitos erros bobos”, disse.

Mesmo antes de o Nobel ter selado seu lugar na história, ele já havia se tornado uma atração turística em Edimburgo, uma espécie de monumento vivo à ciência. Em 1999, não aceitou uma oferta para se tornar cavaleiro real, mas em 2014 foi nomeado Companheiro de Honra pela Rainha Elizabeth II.

Físicos ainda não conseguem explicar a massa do Higgs em si, que cálculos quânticos padrão sugerem poder ser quase infinita. Isto leva alguns teóricos a propor que nosso universo seja apenas um em um conjunto de universos, o Multiverso, em que o valor de coisas como o bóson de Higgs é aleatório.

Questionado a esse respeito, Higgs abriu um grande sorriso. “Não sou um crente”, afirmou.

“Já é difícil o bastante propor uma teoria que dê conta só deste universo".”

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