sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A termologia e o corpo humano - TÁ FRIO PACA

O que nos faz perceber a temperatura externa - em gradações que vão do "frio congelante" ao "quente escaldante"- são basicamente três tipos de receptores (fibras nervosas) que se encontram espalhados por toda a superfície corporal: os receptores do frio, do quente e os receptores da dor. Esses receptores transmitem as informações para o cérebro, provocando sensações que vão do agradável (pense num banho morno no inverno, ou num mergulho na praia, no verão) ao desconforto, podendo
chegar à dor (já encostou o dedo num ferro quente?).


A figura (1) mostra a intensidade com que os três tipos de receptores - do frio, do quente e da dor - respondem à temperatura externa. Observe que os receptores da dor são acionados nos extremos do "frio congelante" e do "quente escaldante"; por isso acabam fazendo com que não possamos distingui-los, pois ambos - frio e quente exagerados - provocam a mesma sensação dolorosa.

Em ambientes secos, uma pessoa nua (e, portanto, em contato direto com o ambiente) pode suportar temperaturas que vão de 70ºC até 13ºC. Já em ambientes úmidos (dentro da água, por exemplo) esses limites são muito menores: as nossas células são capazes de suportar temperaturas de no máximo 45ºC e, no mínimo, 15ºC (esses valores referem-se à média dos indivíduos. A figura (2) mostra, para testes realizados com muitas pessoas, a curva da distribuição da temperatura cutânea mínima que causa dor). A 45ºC tem início o chamado ciclo da histamina, isto é, o primeiro estágio da queimadura e o início do mecanismo da dor. É por isso que você não consegue manter por mais do que alguns segundos sua mão dentro de uma vasilha com água a 50ºC, por exemplo. Do mesmo modo, você não conseguirá demorar-se num banho de rio ou de mar se a temperatura for inferior a 15ºC. Pessoas expostas a água gelada durante 20 a 30 minutos podem morrer por parada cardíaca; em expedições a lugares ainda mais frios - como por exemplo ao Himalaia ou à Antártica - é possível que pessoas não protegidas devidamente "percam" partes do corpo que congelam (geralmente pedaços das orelhas e dedos dos pés e das mãos). Esse congelamento é conhecido como ulceração pelo frio, e acontece porque temperaturas excessivamente baixas provocam obstrução da circulação periférica, com a conseqüente necrose (morte) dos tecidos celulares.


A temperatura corporal

 • A temperatura normal

Quando falamos em temperatura corporal normal, devemos distinguir a temperatura central da temperatura cutânea. Para uma pessoa sadia, a temperatura interna - ou central - do corpo permanece praticamente constante (variações máximas de 0,6ºC), independente da temperatura externa. Já a temperatura da pele - ou cutânea - varia numa faixa mais ampla, em função do contato direto com o meio ambiente. Para a maioria das pessoas, a temperatura interna normal situa-se entre 36,7ºC e 37ºC (quando medida na boca). No entanto, ela pode sofrer variações, dependendo da atividade física, do estado emocional e da temperatura ambiente, como mostra a figura (3). O próprio metabolismo pode produzir variações na temperatura normal de uma pessoa: a temperatura pela manhã pode chegar a ser da ordem de 1ºC mais baixa do que à tarde. 



A hipotermia

Temperaturas corporais inferiores a 35ºC levam a uma situação denominada hipotermia, que produz uma tal diminuição do metabolismo basal que pode, inclusive, levar à morte. Quanto menor for a temperatura, menor será o tempo de tolerância do organismo. Considera-se hipotermia moderada temperaturas entre 35ºC e 32ºC. Nesta faixa, já ocorre comprometimento do metabolismo. A hipotermia é considerada média em temperaturas entre 32ºC e 28ºC; nesse caso, já tem início a perda de consciência e o descontrole motor. Em temperaturas inferiores a 28ºC, a hipotermia é considerada severa; se mantida por tempo prolongado, pode causar danos para o sistema circulatório, cérebro e coração. A morte por hipotermia ocorre entre 16ºC e 21ºC.

• A febre

A febre refere-se à temperatura corporal acima da faixa considerada normal. Ela ocorre por anormalidades no cérebro ou quando são liberadas no organismo substâncias denominadas pirogênios (toxinas capazes de interferir no centro regulador de temperatura, o hipotálamo). Estas substâncias são produzidas por bactérias ou por células do próprio organismo em processo de degeneração. É por isso que a febre é um alerta de que algo não vai bem no organismo.

Quando a temperatura ultrapassa 41ºC, ocorre o que se denomina intermação. A intermação pode pro-duzir tonteira, delírio e até mesmo perda da consciência. Se durar muito tempo (em alguns casos, até mesmo poucos minutos), pode provocar desequilíbrio no sistema nervoso central e, como conseqüência, produzir lesões cerebrais fatais (conhecido vulgarmente por "queimar os miolos").

A intermação também pode ocorrer quando o corpo é exposto durante muito tempo em ambientes altamente aquecidos (como, por exemplo, passar um dia inteiro na praia, no verão carioca). Geralmente denominado in-solação, esse estado não deve ser con-fundido com a febre, uma vez que a insolação é causada pela incapacida-de dos sistemas reguladores de manterem a temperatura normal do cor-po, face à alta temperatura do ambiente. Ela é geralmente acompanhada de desidratação (perda de água e sais minerais). Neste caso, o tratamento é basicamente feito através de esfriamento da pele com água gela-da, repouso em ambiente fresco e hidratação.



• Os termômetros clínicos

Medimos a temperatura do corpo humano através de termômetros especiais os termômetros clínicos. Eles diferem dos termômetros que utiliza-mos para medir a temperatura ambi-ente porque nestes a leitura aumenta ou diminui continuamente, conforme o ambiente fica mais quente ou mais frio. Já os termômetros clínicos, uma vez retirados do paciente, devem manter registrada a temperatura que mediram. Os três tipos mais usados hoje em dia são: o termômetro de mercúrio, o digital e o termográfico.
Mecanismos de regulação da temperatura corporal

1. Mecanismos naturais

O homem é um animal homeotérmico, ou seja, mantém um controle de temperatura que não o deixa entrar em equilíbrio térmico com o ambiente (como acontece, por exemplo, com um objeto inerte). Esta regulação "natural" é feita através de processos que procuram dificultar o fluxo de calor do corpo para o ambiente, em dias frios, e facilitar esse fluxo, em dias quentes.

A velocidade do fluxo de calor é determinada principalmente por dois fatores: pela capacidade de troca térmica entre a superfície corporal e o meio exterior e pela rapidez com que o calor é conduzido entre a parte interna e a superfície do corpo.

O primeiro fator está diretamente associado ao sistema que isola o corpo humano do ambiente. Ele é formado pela pele, pelos tecidos subcutâneos e, principalmente, pela camada de gordura (é por isso que as pessoas mais gordas suportam mais o frio do que os magros, embora sofram mais em dias quentes). Já o segundo está intimamente ligado à circulação, como veremos a seguir.

. Quando a temperatura ambiente é menor que a do corpo

Nesse caso, a pele deve dificultar o fluxo de calor de dentro para fora do corpo. Mesmo assim, há perdas por irradiação, condução e evaporação:

. Irradiação: ocorre em função da emissão, pelo corpo, de raios infravermelhos (se a pessoa está nua, e a temperatura ambiente por volta de 20C, cerca de 60% da per-da de calor se dá por este processo);

Condução: nas condições anteriores, cerca de 15% das perdas ocorrem em virtude da transferência de calor do corpo para o ar, por condução. Cabem aqui duas observações:

a) Sendo o ar mau condutor e possuindo baixo calor específico, a tendência é que rapidamente se forme uma fina camada de ar em torno do corpo, com a mesma temperatura da pele, que "isola" o corpo do resto do ambiente. A partir daí, a transferência por condução cessa, a não ser que este ar seja removido por convecção. A convecção do ar - e, em consequência, a perda de calor por condução - pode ser acelerada através do vento (para baixas velocidades, a perda aumenta aproximadamente com a raiz quadrada da velocidade do vento);

b) Se estamos dentro da água, a perda de calor por condução é muito mais acentuada que no ar (por isso sentimos mais frio dentro da água a 21ºC, por exemplo, do que no ar à mesma temperatura). Isso acontece porque a água, além de possuir maior calor específico do que o ar, também conduz melhor o calor, impedindo a formação da tal camada isolante.

. Evaporação: mesmo quando não estamos suando, o corpo perde, por evaporação através da pele e pelos pulmões, cerca de meio litro de água por dia. Considerando que o calor latente de vaporização da água vale 540cal/g, é só fazer as contas!

O organismo também deve impedir a queda da temperatura central, dificultando o fluxo de calor do interior para a superfície. Para tanto, o principal mecanismo é circulatório: há uma diminuição da circulação periférica, ou seja, uma vaso constrição periférica (e, como a quantidade de sangue é fixa, há uma consequente vasodilatação interna). Esse processo dificulta o transporte de calor pelo sangue, do interior para a superfície. É por isso que usamos pedras de gelo, quando queremos produzir uma vasoconstrição periférica.

Mesmo com todos esses mecanismos, as perdas de calor ocorrem, e devem ser compensadas com a "produção" interna de energia, que é obtida pela combustão dos alimentos. Por isso, devemos comer alimentos que liberam mais calorias no inverno do que no verão. Os esquimós, por exemplo, possuem uma alimentação riquíssima em gordura animal.

• Quando a temperatura ambiente é maior que a do corpo
Nesse caso, a pele deve dificultar o fluxo de calor do ambiente para o corpo (para isso ela é isolante!). No entanto, como a temperatura corporal é mais baixa que a do ambiente, sempre haverá passagem de calor (por radiação e condução) de fora para dentro, pois o isolamento não é perfeito. Para que o corpo não esquente, é necessário facilitar o fluxo de calor dele para o ambiente.

O principal mecanismo de transferência ocorre através da pele, pela evaporação de líquido (por isso, suamos muito em dias quentes). Outra parte significativa da transferência de calor ocorre na evaporação da umidade através das vias respiratórias. Finalmente, uma pequena quantidade de calor é dissipada in-ternamente no aquecimento de alimentos e bebidas ingeridos frios. Por ser agora o principal mecanismo regulador da temperatura, qualquer fator que dificulte a evaporação poderá causar um aumento da temperatura corporal. Isso pode ocorrer por fatores congênitos - pessoas que nascem sem as glândulas sudoríparas - ou pelo uso de roupas inadequadas.

Internamente, a circulação funciona de modo inverso ao caso anterior: para facilitar a condução do calor do interior do corpo para a superfície, há um aumento da circulação periférica e diminuição da in-terna. É por isso que usamos bolsas de água quente, quando queremos produzir uma vasodilatação periférica.

2. As roupas

Excetuando-se os índios que ainda vivem nus e que, portanto, só contam com os mecanismos naturais de regulação, nós, os "civilizados", contamos também com as roupas para ajudar (ou atrapalhar) a manutenção da temperatura corporal.

Em primeiro lugar, temos a questão das cores. Roupas escuras absorvem mais a radiação que as claras, de modo que ao usar uma camisa preta em dia ensolarado, você estará dando muito mais trabalho às suas glândulas sudoríparas!

Por outro lado, a roupa conserva, entre ela e o corpo, uma camada de ar em repouso, impedindo a convecção. Colabora, portanto, para a criação de mais uma camada isolante em torno do corpo, a qual, como vimos, dificulta a troca de calor por condução. Se isso é bom no inverno, é péssimo no verão, quando devemos facilitar a perda de calor pelo corpo. Portanto, abaixo os ternos e gravatas no verão! Verão foi feito para se usar roupas claras, folgadas e leves (os antigos "malandros" cariocas sabiam disso!

Mais uma vez, vamos buscar nos esquimós um ótimo exemplo da Física aplicada ao cotidiano. Suas roupas, além de grossas (mais isolamento, menos perda de calor por condução), possuem, por dentro, uma fina camada metálica (refletora). Assim, a parcela de calor irradiada pelo corpo retorna para ele. Ou seja: a roupa do esquimó é uma verdadeira garrafa térmica! O problema dessas roupas é com a umidade: a roupa molhada - ou apenas úmida - diminui em cerca de 20 vezes sua eficácia na proteção do corpo (novamente, a causa é a diferença, entre água e ar, no que diz respeito ao calor específico e condutibilidade térmica). Daí o grande cuidado que eles devem ter em não deixar a roupa ficar úmida. Lembre-se disso quando for passar o fim de semana na serra!

Fonte: FOLHEtim - O Jornalzinho da galera da Física (MAIO/1999)
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