segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ciência & Saúde: Eletroconvulsoterapia - Como funciona a ECT


Quando se fala em tratamentos que utilizam choque elétrico como terapia, diversas referências de filmes, novelas e séries vêm à mente. Em todas elas, imagens ligadas à dor, ao castigo e à tortura. A realidade, no entanto, é diferente principalmente desde o fim da década de 80 no Brasil. Apesar de ter sido usada por muitas décadas de forma indiscriminada, a eletroconvulsoterapia, também conhecida como ECT, conta com um protocolo médico reconhecido e que garante segurança no uso. Além disso, estudos nacionais e internacionais revelam que o tratamento não só tem respostas rápidas como ainda é um dos mais eficazes contra depressão grave.

Além de avanços nos estudos, a administração da técnica também passou por evoluções. Atualmente uma sessão de ECT conta com anestesia, relaxante muscular e acompanhamento cardiovascular e cerebral. Deste modo, as antigas imagens de tremores e corpo fissurados também não existem mais. O que há, no máximo, é o tremor de um dos pés, que fica propositalmente sem anestesia para que as convulsões possam ser monitoradas. Não há dor ou qualquer memória da sessão após o tratamento.

"A eletroconvulsoterapia é um tratamento médico indicado em algumas condições psiquiátricas, então ela consiste na indução de uma crise cerebral de uma reação cerebral", explica o psiquiatra Moacyr Rosa. O médico atua ministrando a terapia no Instituto de Psiquiatria Avançada e Neuromodulação. "No caso da eletroconvulsoterapia, essa crise é induzida pela eletricidade, por um disparo elétrico mesmo. O cérebro reage com uma convulsão, sozinho ele tem esse disparo durante alguns segundos espontaneamente e isso é uma sessão", explica.

A ideia de uma convulsão ter efeitos sobre o cérebro foi percebida na década de 1940, quando a comunidade médica notou que pacientes que convulsionavam tinham significativas melhoras após os episódios, principalmente para quadros de mania e catatonia.

De acordo com o psiquiatra Gilberto Sousa Alves, além de segura, a eficácia da técnica chama atenção. Conforme ele, são feitos dois tipos de monitoramentos: o das funções cerebrais, via eletroencefalograma, e outro das funções corporais, principalmente coração e oxigenação sanguínea.

De forma comparativa, o médico cita que enquanto a eficácia de medicamentos antipsicóticos gire em torno de 33%, a ECT supera os 60% de possibilidade de remissão, podendo chegar a 90%, como efeitos significativos principalmente após a terceira sessão. Outra indicação da técnica é para o caso de pessoas que têm contraindicação aos medicamentos que podem ser bem mais invasivos que a terapia. É o caso de idosos e mulheres grávidas. A resposta rápida também é fundamental para casos de catatonia, em que pacientes não conseguem se alimentar ou se movimentar, ou ideação suicida, por exemplo.

Considerado seguro, a chamada "ECT modificada" reduziu a taxa de mortalidade para cerca de 1 em cada 10 mil pacientes - probabilidade menor que a da anestesia geral. "Apesar de estudos robustos, existem ainda lacunas em relação ao entendimento e funcionamento da fisiopatologia do ECT no cérebro, possivelmente o que se acredita é que haja a modulação do funcionamento de alguns neurônios, como os responsáveis pela transmissão de dopamina ou os responsáveis pela a modulação da serotonina e da noradrenalina", diz. Ele cita ainda como importante substância o glutamato. "Um outro neurotransmissor que a gente ouve menos falar mas que é igualmente importante para regulação emocional para a atividade cognitiva".

Entre os principais efeitos colaterais estão a perda de memória recente, enjoos, dores de cabeça e dor na mandíbula. Efeitos esses que tendem a desaparecer após as sessões. Ambos os psiquiatras reforçam que, em todos os tipos de terapias médicas, os efeitos precisam ser avaliados diante do risco do paciente.

"Eu diria que nós médicos precisamos fazer uma mea-culpa em relação aos excessos cometidos em décadas anteriores, quando o ECT foi usado de forma indiscriminada e até punitiva. É uma obrigação nossa como médico discutir esse passado, compreender que houve excesso, esclarecer a população sobre o uso correto e das vantagens da técnica, que é extremamente eficaz e menos custosa se levar em consideração o tempo de internação".

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