Cerca de 4,2 bilhões de anos separam o pesquisador Dominic Papineau e microorganismos que morreram sobre rocha localizada no que atualmente é o sítio arqueológico de Nuvvuagittuq, no Canadá. O local de onde o cientista extraiu os microfósseis é rochoso, com temperatura amena e próximo às águas calmas de uma baía. O cenário em nada se parece com o ambiente submerso, cercado de fontes hidrotermais — de águas quentes e ricas em minerais —, onde os antigos seres viviam.
O que Papineau encontrou daqueles organismos se resume a uma porção de hematita — um tipo de “ferrugem” — ocupando espaço de um décimo de largura de um fio de cabelo. Apesar do tamanho, o material é suficiente para indicar os seres mais antigos já descobertos pelo homem — a espécie considerada mais complexa da cadeia de evolução da natureza. Além de terem estado no mesmo local, o pesquisador da Universidade College London e os micróbios têm em comum o fato de serem organismos vivos, constituídos essencialmente dos mesmos materiais, mesmo com bilhões de anos de diferença.
É olhando para a Terra, em busca dos elementos mais simples, que os cientistas dão o primeiro passo para explicar o Universo. A descoberta publicada em março na revista Nature indica que a vida surgiu aqui no início da formação do planeta — há 4,5 bilhões de anos. “Isso significa que a vida aparece muito cedo, rapidamente ela surge, o que indica que ela é muito simples para a natureza”, explicou Augusto Damineli, professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAGUSP).
Ele explica que os elementos básicos para a formação da vida são carbono, hidrogênio, oxigênio, enxofre, nitrogênio e fósforo. “A vida aqui na Terra é formada pelo lixo, pelo que mais existe no Universo. Os elementos que dão origem à vida estão em todos os lugares. Só precisamos de um pouco de energia para derreter e manter a água”, disse. Conforme o professor, em algum momento da existência da maioria dos astros haverá água líquida, o desafio é mantê-la nesse estado.
De acordo com Damineli, a Terra está a uma distância ideal do Sol e tem núcleo aquecido, o que gera a deriva das placas tectônicas. Ele estima que há pelo menos quatro bilhões de planetas, só nesta galáxia, que são pequenos como a Terra e estão na zona de água líquida. “A vida não é um milagre, a vida é parte das coisas mais simples que tem na química e na geologia”, define.
Mesmo considerando a existência de milhares de estrelas semelhantes ao Sol, o professor Daniel Brito de Freitas, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), considera que somente neste sistema há condições tão ideais para a formação da vida. Em artigo publicado no periódico The Astrophysical Journal, em fevereiro, ele analisou estrelas semelhantes ao Sol, em formação. “A ciência evidencia que, por enquanto, o Sol é único e especial. Para tirá-lo desse status deveríamos fazer novas observações e estudos”.
De acordo com o professor, vários fatores tornam o sistema solar especial. O Cinturão de Asteróides e Júpiter, que funcionam como escudo de proteção à Terra, são exemplos. “Nosso sistema é único porque tem uma quantidade enorme de elementos, quantidade enorme de planetas e isso é extremamente incomum”, disse. Segundo ele, os planetas funcionam como “vampiros” que sugam a rotação da estrela. No caso do sistema solar, o número de planetas, a disposição e o tamanho mantêm o campo magnético gerado pelo movimento de rotação.
De acordo com Freitas, até agora, “nada foi encontrado” sobre vida fora da Terra.
O caminho, para ele, é superar o paradigma do modo como entendemos a vida.
“O cenário ainda é o mesmo de quatro décadas atrás, que é a vida ainda entendida no Universo como uma vida tipo a da Terra”, disse. Um dos caminhos pode ser a descoberta de vida mesmo na ausência de elementos considerados essenciais. “O que temos hoje é tentado expandir em laboratório o conceito de vida, para que a gente consiga encontrar condições diferentes das do nosso sistema e que nos faça procurar em outros locais”, explica.
IGOR CAVALCANTE
Fonte: jornal O Povo